Basílica de São Francisco de Assis, em Assis, Itália |
Arquitetos, desde
sempre, são profissionais cuja área de atuação toca muitos outros campos da
atividade e do conhecimento humanos. A engenharia, o mais óbvio. A arte, idem.
Mas também a física e a filosofia. E (por que não?) a neurociência.
Em maio deste ano,
o envolvimento entre aqueles que pensam o espaço e aqueles que estudam o
próprio pensamento se aprofundou. Na convenção anual de arquitetos, nos Estados
Unidos, o sociólogo e arquiteto John Zeisel se aventurou a palestrar sobre
neurociência. Para a sua surpresa, a audácia foi bem recebida e a sessão se
prolongou além do previsto, repleta de perguntas da plateia. Sua pesquisa
tratava dos ambientes construídos para receber pacientes de Alzheimer. “Os
arquitetos já entendem de estética e psicologia, o próximo passo é compreender
o cérebro e seu funcionamento, percebendo por que as pessoas se sentem melhor
em certos ambientes”, instigou.
Instituto Salk, San Diego, Estados Unidos |
Para elucidar suas ideias, Zeisel deu o
exemplo de Jonas Salk, que enquanto buscava a cura para a poliomielite, se
mudou para a Itália. O cientista sentia que suas capacidades mentais eram
aumentadas ou tinham maior fluência dentro da Basílica de São Francisco de
Assis – um edifício do século 13 com estilo romanesco. Ele defendeu até o fim
da vida que aquela arquitetura teve algum papel em clarear seus pensamentos,
removendo as obstruções e permitindo que ele, de fato, encontrasse a resposta
que procurava. Anos depois, ao fundar a sua própria instituição de pesquisa, o
Instituto Salk, em La Jolla, Califórnia, ele pediu ao arquiteto Louis Kahn que
tentasse recriar a aura de estímulo cerebral da basílica numa arquitetura
totalmente diferente. O campus, inteiro em concreto, com abundância de luz
natural, vista para o Oceano Pacífico e uma larga praça central, ecoa a
tranquilidade monástica do templo em Assis.
Basílica de São Francisco de Assis, em Assis, Itália |
Hoje, com quase
dez anos de existência, a Academia de Neurociência para Arquitetura (Anfa, na
sigla em inglês) acredita que o estudo do sistema nervoso pode fazer a maior
contribuição para o campo da construção desde os estudos de física do século 19
que estabeleceram novos métodos estruturais, acústicos e de iluminação. Em
setembro a academia promoveu a primeira conferência nacional na Califórnia (no
Instituto Salk, claro). Foram enviados dúzias de estudos e propostas sobre o
tema. A arquiteta Alison Whitelaw, envolvida no evento, disse: “eu esperava
apenas um punhado de trabalhos, mas recebemos material até de pessoas
conhecidas, que não imaginávamos estarem interessados no assunto”.
Se os arquitetos
dominarem este novo campo de conhecimento, as possibilidades são incríveis.
Poderíamos acabar com locais públicos e privados formatados para as mais
diferentes deficiências mentais. Imagine: hospitais com caminhos tão intuitivos
que ninguém se perde neles, maternidades cuja arquitetura ajuda no
desenvolvimento cerebral dos bebês, clínicas que recuperam autistas e que
ajudam os pacientes que sofrem de perda de memória a lembrar. Estima-se que os
seres humanos passem 90% das suas vidas confinados em ambientes construídos. No
entanto é muito recente o interesse da neurociência no campo da construção.
Alison também
falou de um estudo atual do Heschong Mahone Group, que demonstrou o impacto da
luz natural em escolas. Segundo o grupo, as notas de matemática e de leitura
melhoraram 20% em salas comprovadamente bem iluminadas. O projeto destes
recintos não levou em conta a questão neural, mas os padrões internacionais de
sustentabilidade estabelecidos pela Liderança em Energia e Design Ambiental
(LEED, na sigla em inglês). Se um desenho pode ser saudável para o planeta, um
projeto também pode ser salubre para o cérebro. Alison aposta no estudo e na
criação de arquitetura que incentive a existência dos chamados “ocupantes de
alto desempenho”.
Instituto Salk, San Diego, Estados Unidos |
Um dos
neurocientistas que vem se dedicando ao estudo do encontro entre edificação e
cognição é Eduardo Macagno, fundador e diretor da Divisão de Ciências
Biológicas da Universidade de San Diego e ex-presidente da ANFA. Por meio da
StarCAVE, uma máquina composta por 16 painéis de realidade virtual dispostos em
círculo, o especialista e sua equipe produzem simulações interativas 3D de
espaços arquitetônicos em 360°. Os voluntários que vivenciam ali as diferentes
construções projetadas são submetidos a uma eletroencefalografia (EEG) durante
o processo, permitindo que imagens de seus cérebros sejam feitas.
Alison pede que os
profissionais de sua área apostem na técnica conhecida como Design Baseado em
Evidência (EBD, na sigla em inglês), ou o processo de aplicar informações
recolhidas e certificadas no processo de criação. O uso deste método de
desenvolvimento, segundo ela, já elenca conquistas, como as novas unidades neonatal,
onde a luz e o som são minimizados para proteger os prematuros na fase mais
importante de desenvolvimento visual e auditivo. Do outro lado, Macagno
incentiva as alianças profissionais feitas entre arquitetos e neurocientistas,
chegando a sugerir que, do mesmo modo que há um consultor de acústica envolvido
no desenvolvimento dos projetos, haja também um cientista participando do
processo. Será este o futuro da arquitetura?
Basílica de São Francisco de Assis, em Assis, Itália |
Catedral da Sé, em Belém-PA |
Fonte: Mariana Kindle (Casa
Vogue/Globo)
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